Futebol feminino pode sinalizar evolução nos direitos das mulheres sauditas

"Na Europa, onde eu joguei, para você ser uma jogadora de futebol profissional, muitas vezes, era necessário aceitar trabalhar na lojinha do clube ou dar aulas para crianças. Hoje, aqui na Arábia Saudita, se você é uma jogadora profissional de futebol, você é profissional. Esse é o seu emprego e você não precisa de outra ocupação para viver", conta Tatiana Khalil, ex-capitã da seleção do Líbano que jogou em clubes de três países antes de aceitar o convite para viver em Jeddah, a segunda maior cidade saudita.

Tatiana não é mais jogadora. Hoje, ela coordena um centro de treinamento bancado pelo governo em que 100 meninas, de 8 a 14 anos, se desenvolve em busca de uma vaga em um dos times profissionais femininos do país. O centro em que Tatiana trabalha, por exemplo, revelou 40 meninas para as categorias de base do Al-Ittihad na última temporada.

O ecossistema do futebol feminino saudita está crescendo por um investimento grande do governo. Os clubes, inclusive, contrata estrangeiras. Letícia Nunes, campeã da Série B do Brasileirão pelo Bahia, por exemplo, é artilheira do Ittihad. Ela está há quatro meses no país.

"Futebol é futebol em todo o mundo e, aqui, dão uma estrutura excelente para as jogadoras. Financeiramente faz muito sentido e, quando olha para outros aspectos, você fica feliz de participar dessa mudança. O futebol feminino potencializa a questão da liberdade feminina, de poder exercer aquilo que o ser humano deve ser, que é ser livre. Estou muito feliz aqui", conta Letícia.

É uma história surpreendente principalmente pensando que mulheres eram proibidas de entrar em estádios e até de dirigir no país. A mudança começou em 2016, com a criação da Visão 2030, um plano de modernização da sociedade com revoluções previstas para economia e sociedade.

Em 2017, a Arábia Saudita acabou com a proibição de que mulheres dirigissem no país. Depois, acabou o veto à presença feminina em jogos de futebol. No começo de dezembro, o UOL esteve no país e viu mulheres trabalhando em quase todos os setores da economia -não viu motoristas profissionais, por exemplo, mas teve contato com vendedoras em lojas, garçonetes em restaurantes, seguranças em aeroportos, atendentes em bilheterias.

Não é uma situação, ainda, perfeita. A maior crítica à liberdade feminina gira em torno do conceito de tutela masculina. Segundo as tradições, uma mulher precisa de um tutor, que autoriza que ela trabalhe, estude ou dirija, por exemplo. O governo prometeu acabar com o sistema na década passada, mas ele ainda segue em vigor.

Entidades internacionais como a Anistia Internacional dizem que a manutenção do sistema de tutela, somada à repressão a quem fala contra o sistema, coloca em dúvida a real intenção saudita em garantir os direitos femininos.

Páginas do governo local ainda citam a tutela, mas abrem uma série de exceções em que a aprovação do tutor não é mais necessária, incluindo para a entrada no mercado de trabalho. Durante a estada em Jeddah, a reportagem acompanhou uma sessão de treinos do centro de treinamento feminino que emprega 15 mulheres sauditas que vivem do futebol.

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Em campo, 30 meninas de 10 a 12 anos participavam de uma aula de futebol muito parecida com as que se encontram no Brasil. O cenário era controlado, mas o clima era leve, apesar do contato com jornalistas ocidentais - todos homens.

Sabemos que, como um país, temos problemas. A diferença é que admitimos nossos problemas muito antes do que os outros e começamos a consertar essas coisas antes que qualquer outra pessoa de fora da Arábia Saudita as apontasse novamente. Por quê? Porque estamos mudando para nós mesmos, não para agradar a ninguém.
Ibhahim AlKassin, secretário-geral da candidatura da Arábia Saudita para a Copa do Mundo de 2034, respondendo sobre as críticas que o país tem recebido.

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